Um assunto está causando a maior polêmica nos Estados Unidos, com ativistas protestando contra o que pode ser o fim da internet livre. Trata-se da possível quebra da neutralidade de rede, pauta que a agência americana de telecomunicações quer aprovar até a próxima semana. A mudança pode trazer consequências sérias até para o Brasil.
As operadoras de telefonia daqui estão de olho na decisão da FCC (a Federal Communications Commission) para aproveitar o ensejo e pressionar Michel Temer, segundo reportagem da Folha de S. Paulo. A ideia seria abrir caminho para modificar a resolução do Marco Civil da Internet, que garante a não priorização do conteúdo distribuído na rede. Mas o que isso pode significar na prática?
Hoje, de acordo com a lei regulamentada em 2016, operadoras não podem privilegiar determinados tipos de acesso na internet. Ou seja, elas devem tratar da mesma forma um site de notícias, um serviço de streaming de música, como o Spotify, e uma locadora virtual de filmes, como a Netflix. Isso garante que elas não vão cobrar a mais pelo acesso a arquivos pesados, como vídeos em alta resolução.
Só que o consumo de conteúdo multimídia disparou nos últimos anos (a Netflix cresceu 29% em número de usuários este ano, no mundo todo) e as operadoras têm se sentido lesadas. As teles americanas argumentam que tiveram de investir pesado em infraestrutura de 4G e internet fixa para dar conta dessa demanda, mas não tiveram contrapartida em aumento de assinantes ou acordos com os serviços de streaming.
Por isso, o presidente da FCC, Ajit Pai, propõe uma alteração na lei americana, dando poder às empresas para criar pacotes especiais. Por exemplo, você paga 100 dólares ao mês pelo plano básico e mais 50, caso deseje acessar YouTube e Netflix em alta velocidade). Ou seja, além de cobrar pela rapidez e pela quantidade de dados, essas empresas querem ainda lucrar em cima do tipo de conteúdo que você acessa.
De cara, isso pode aumentar a conta de internet para os usuários, o que já seria um argumento contrário à mudança. Mas os efeitos no futuro são ainda mais preocupantes. Imagine que uma operadora feche um acordo lucrativo com o YouTube para não cobrar de seus usuários as taxas adicionais. Uma pequena startup de vídeos provavelmente não teria essa regalia, logo estaria fora da competição com os gigantes. O medo dos especialistas é que a internet como a conhecemos, essa ferramenta democrática, esteja com os dias contados, pois toda a inovação seria tolhida e regulada pelo mercado.
Em sua tese, as operadoras têm uma justificativa nobre para a alteração da neutralidade da rede, e ela tem a ver com o crescimento da chamada “internet das coisas” – a comunicação entre equipamentos via rede. Espera-se que num futuro próximo os hospitais tenham, digamos, braços robóticos realizando cirurgias, com os médicos controlando tudo à distância. Isso demandaria uma quantidade enorme de dados, e as teles estariam preocupadas com a confiabilidade da conexão. Com a mudança na lei, elas poderiam priorizar esse tráfego em detrimento dos usuários domésticos, por exemplo.
As empresas brasileiras estão ligadas na possível decisão da FCC. Se as teles vencerem a batalha nos Estados Unidos, podemos esperar que as operadoras daqui comecem a pressionar os políticos para aprovar os mesmos termos no Congresso Nacional.