John McAfee não precisa de apresentações. Se hoje você tem algumas ferramentas antivírus no seu computador ou tem o mínimo de preocupação com a sua segurança, direta ou indiretamente, este homem está ligado. Chamado de “visionário da tecnologia” e até “lenda da cibersec”, McAfee está vivendo tempos conturbados: enquanto concorre à presidência dos Estados Unidos da América, ele também passa por uma investigação que envolve suspeitas de estupro, tortura e homicídio.
Exatamente por causa das suspeitas citadas, está acontecendo uma derrocada na imagem de John McAfee — e também no valor de suas empresas. Ainda, o estigma de gênio louco parece estar se concretizando a cada novo capítulo da vida de McAfee.
O TecMundo iria conversar, cara a cara, com John. Ele estaria no Brasil hoje (21) e já havia reservado um tempo para o TecMundo após uma palestra no maior evento de Segurança da Informação e Ciber Segurança do Brasil, o Mind The Sec. Acontece que McAfee foi impedido de deixar os Estados Unidos e, de última hora, o tecMundo teve que mudar alguns planos. No final das contas, bateram um papo com McAfee via streaming de vídeo e pode-se notar um pouco o que se passa na cabeça desse homem.
Buscamos entender o que levou McAfee a se candidatar nos Estados Unidos e também saber o que ele pensa sobre a cibersegurança e o cibercrime no Brasil — e se o assunto crime virtual for de seu interesse, você também pode ler uma entrevista que fizemos com Misha Glenny, um jornalista britânico especializado no tema e nas ações que ocorrem em solo brasileiro.
McAfee para presidente?
“Algo precisa ser feito. Refletir sobre onde McAfee esteve é um excelente lembrete de que ele pode ser uma das únicas pessoas vivas que podem nos levar aonde precisamos ir como nação. Mais do que apenas um homem de negócios — mais do que apenas um homem inteligente —, McAfee é, na tradição do individualismo e da coragem humana que enche a história norte-americana, uma Força”.
O parágrafo acima foi retirado do site oficial da campanha de John McAfee. Como você pode ver, toda a lenda que foi construída sobre o homem é levemente pintada até pela própria equipe de marketing. McAfee não seria um humano comum, seria “uma Força”. Ele acredita nisso? Esse é o motivo? Precisávamos fazer a pergunta mais simples possível, para receber uma resposta tão simples quanto.
TecMundo: Por que concorrer à presidência?
McAfee: Porque eu precisava dizer algo ao povo norte-americano. Eu precisava falar sobre cibersegurança. E não há plataforma melhor para isso do que concorrer à presidência. Eu apareço na TV durante debates e foco nesse tema. Então, foi entregue uma oportunidade de aumentar a consciência sobre esse problema sério que enfrentamos.
Nota da redação: É certo dizer que, apesar de John estar na concorrência, ele provavelmente não vai levar o cargo de presidente dos EUA. Isso porque a disputa eleitoral é majoritariamente capitaneada por dois partidos: o Democrata, que apresenta Hillary Clinton, e o Republicano, que empurra Donald Trump. Outro ponto: McAfee estava concorrendo pelo Partido Libertário. O próprio partido, agora, está oferecendo o político Gary Johnson como candidato.
TecMundo: E o que você acha dos principais candidatos, Hillary e Trump?
McAfee: Bem, eu não os conheço. Eu nunca fui pescar com Trump e também nunca jantei com Hillary. O que eu sei é o que as notícias me dizem. Se as notícias no Brasil forem que nem as notícias nos EUA, elas são 95% fabricadas. Então, eu realmente não tenho uma opinião.
Estamos todos perdidos?
Você deve se lembrar do caso FBI x Apple. De maneira resumida, o FBI travou uma batalha judicial contra a Apple para receber um software que liberasse o acesso ao iPhone de um investigado.
Na época, McAfee hackeou ao vivo na TV norte-americana o smartphone de um apresentador. Ainda, se ofereceu ao FBI para realizar o feito sem a necessidade da briga nos tribunais. “Com todo o respeito a Tim Cook e à Apple, mas eu trabalho com a equipe dos melhores hackers do planeta. Eu aposto que podemos quebrar a criptografia do iPhone. Este é um fato puro e simples”, havia dito. Vou, de forma gratuita, descriptografar as informações no telefone com a minha equipe (…) Se vocês aceitarem a minha oferta, não vão precisar pedir à Apple para colocar um backdoor no seu produto, o que será o começo do fim da América”.
O fim da América, como citou McAfee, seria a criação de um software backdoor nas mãos das autoridades que serviria como “aval” para futuras invasões de dispositivos.
TecMundo: Nós vimos o que você fez no caso FBI x Apple. Isso significa que qualquer smartphone pode ser hackeado? Não há qualquer tipo de segurança?
McAfee: Não, não há segurança. E a razão de que não há segurança é que todos os nossos dispositivos móveis foram desenvolvidos, do começo ao fim, para coletar informações sobre nós. Informação é o novo dinheiro.
Todos os smartphones são desenvolvidos para aplicações que sabem onde você está, para quem você está ligando, quanto tempo você usa o smartphone, quem são os seus contatos, aplicações que leem as suas mensagens e os seus emails. Quando você baixa um aplicativo, você precisa selecionar “Sim/Aceito” para aceitar todas essas condições. Mas ninguém realmente lê essas condições, ninguém presta atenção.
Então, porque os smartphones são desenvolvidos exatamente para coletar informações, hackeá-los é algo trivial.
TecMundo: Já que chegamos neste ponto, o que você pode dizer sobre a vigilância de massa?
McAfee: Eu não estou feliz com qualquer tipo de vigilância. Eu acredito que todos nós temos um direito fundamental à privacidade. E, assim que a privacidade é tirada de nós, perdemos grande parte de nossa humanidade.
Considere isso: a maioria das pessoas não pensa sobre o fato de que elas escolhem “a privacidade” diversas vezes ao dia. Quando você fala com um estranho, por exemplo. Você não conta ao estranho os detalhes íntimos de sua vida, ou conta? Então nós escolhemos diferentes níveis de privacidade em todas as nossas interações com o mundo. Se isso for retirado de nós, não teremos qualquer tipo de liberdade. Sendo assim, o mundo se tornará um caos.
Não é papo de gringo
Teve uma entrevista que o TecMundo realizou com o jornalista Misha Glenny. Expert em cibercrime, Misha deixou claro que o Brasil — e o mundo — ainda sofre com a ação e também não aprendeu a lidar com isso. John McAfee também tem as suas opiniões. Acompanhe:
TecMundo: No Brasil, a cibersegurança é algo com que as empresas e as pessoas costumam não se importar tanto, infelizmente. Você acredita que os hackers e os crackers têm muito espaço no Brasil?
McAfee: Sim, claro! E eles têm espaço para o cibercrime em qualquer lugar. Mas eu quero apontar outra coisa: os governos que buscam jogar esse problema na segurança. Você realmente acredita que a polícia mantém você seguro? Por exemplo, um assaltante entra na sua casa e tem uma arma apontada para a sua cabeça; existe algum botão mágico que você aperta e a polícia magicamente aparece? A polícia se mexe após um chamado e tenta determinar quem é o criminoso.Então, segurança é uma ilusão. Realmente é uma ilusão. Quando um governo diz que tenta lhe manter seguro, o que ele realmente quer dizer é: nós tentamos lhe controlar.
TecMundo: Então o que os usuários podem fazer? O que as empresas podem fazer? O que todos nós podemos fazer sobre isso?
McAfee: A primeira coisa a fazer é: jogue fora agora o seu smartphone. Jogue fora e compre um celular (nota: um celular, sem ser smartphone, ou seja, sem conexão com a internet). Estou falando sério. Hoje, os smartphones são os espiões pelo mundo. Eles têm uma câmera, eles têm um microfone, eles guardam todas as suas informações e todas essas coisas podem ser hackeadas.
Isso significa que outras pessoas podem te observar, te ouvir, ler as suas mensagens e saber todos os detalhes íntimos de sua vida. Veja: eu uso um smartphone, eu sempre lido com ele sabendo que centenas de pessoas estarão me ouvindo. Ou me assistindo. Se você quiser viver assim, tudo bem. Se não, compre um dumbphone, um celular que “não possui um computador dentro”. Um celular que faça ligações, envie mensagens e só.
Eu sei o quão esquisito isso pode soar, mas se você visse as coisas que eu vi, sobre o que hackers podem fazer, você não acharia isso estranho.
TecMundo: Então, o que você viu?
McAfee: Eu vou a convenções hackers constantemente, cerca de três vezes por mês. Então, por exemplo, eu tenho um amigo que tem um chip implantado na mão. Se ele pegar o seu smartphone, no momento em que ele encostar no dispositivo, ele já hackeou o aparelho. São coisas nas quais você não acreditaria. Não há nada privado, não há mais segredos neste mundo digital. E nós temos que nos acostumar com isso ou mudar isso.
A mídia não escapa
John McAfee tem os seus problemas com a mídia. Principalmente agora, que está sendo acusado de estupro, tortura e homicídio, ele voltou a figurar em manchetes pelo mundo. O canal Showtime ainda preparou um documentário chamado “Gringo: The Dangerous Life of John McAfee”, que praticamente sentencia McAfee ao afirmar que ele cometeu diversos crimes em Belize, na América Central, local onde morou por um tempo.Por isso, podemos dizer que o McAfee tem um problema com a mídia. Ou com as pessoas envolvidas neste caso. Perguntamos qual era a opinião dele sobre jornais, revistas e sites. A resposta foi incisiva.
McAfee: A mídia só tem um propósito: fazer dinheiro. E eles fazem mais dinheiro com mais pessoas assistindo ou lendo as notícias. Então, sério, se você está lendo notícias, você está lendo uma interpretação da realidade de alguém. E essa interpretação está distorcida de uma maneira que vá segurar a sua atenção.
O que você vê no noticiário? Você não vê coisas boas. Você não vê vovózinhas fazendo tortas, não. Você vê catástrofe. Tornados. Tsunamis. Quedas de avião. Assassinatos. Isso é algo que interessa os humanos; eu não vejo o motivo, mas é. Então, quando você vê qualquer coisa na mídia, o que você realmente está vendo é uma propaganda para segurar a sua atenção para a próxima notícia.
Fonte: TecMundo